TEMPORADA 2012

DIAS: 22, 23, 24 e 25 de março
29, 30, 31 de março e 1º de abril

HORÁRIO: 20h

ONDE: Galpão de Teatro da AJOTE
Cidadela Cultural Antarctica
Rua XV de novembro, 1383 - América

QUANTO:
R$20 - inteira
R$10 - meia-entrada para:
1kg de alimento não-perecível
estudantes
pessoas acima de 60 anos
R$8 - para grupos de 5 pessoas ou mais que fizerem agendamento por meio do e-mail ou telefone:
rusticoteatral@gmail.com // 47 9128-3160

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Crítica do espetáculo - por Marco Vasques

O dramaturgo venezuelano Gustavo Ott tem mais um de seus textos montandos em Santa Catarina


  Passport continua em cartaz na Praça da Bandeira, em Joinville
Por Marco Vasques
            A obra do dramaturgo venezuelano Gustavo Ott vem, ao poucos, ganhando os palcos e despertando o interesse de encenadores e atores no Brasil. O mesmo fenômeno ocorreu nos anos 1990 com a obra do dramaturgo argentino Daniel Veronese. Em Santa Catarina Ott já teve encenados os espetáculos Dois amores e um bicho, levado à cena pela Cia. Experimentos e Fotomaton dirigida por Max Reinert, líder da Téspis Cia. de Teatro. Na semana passada estreou, em Joinville, Passport com direção de Samuel Kühn, que ao lado de Morgana Raitz, vem promovendo uma renovação estética e geracional no teatro feito na cidade das flores.  
           A dramaturgia de Ott deve ser lida sob as sustentações de Cioran, Jean-Luc Nancy e Deleuze e encenada dialogando com Arrabal, Ionesco, Kafka e Beckett. Sobretudo este último que faz de seu teatro o espaço da essencialidade da linguagem. Passport, em especial, também pode ser relacionada com o Machado de Assis de O Alienista. Contudo, não há dependência nas aproximações porque Gustavo Ott imprime em seus textos a originalidade necessária para não estar à sombra de suas referências. Estamos, seguramente, diante da principal voz da dramaturgia latino-americana.
          A montagem da Cia. Rústico Teatral, em cartaz na Praça da Bandeira, tem um cenário construído a partir da ideia de fronteira, o que matem a ideia original do dramaturgo, que é a de passagem. Temos uma cerca de arame com grade de proteção, um balde, duas guaritas para o plantão do soldado e seu comandante e toda a cidade como cenário.  É neste espaço que um cidadão se perde e tenta buscar ajuda, pois precisa reencontrar seu destino. Os soldados, ainda que falem a mesma língua do cidadão, não compreendem sua linguagem e começam um processo de inquirição hilário e mordaz ao mesmo tempo. O cidadão, interpretado pelo ator Robson Benta, também não compreende os oficiais (como não lembrar do diálogo no metrô/trem da peça A cantora careca? Ou da sujeição da dupla de Esperando Godot?) e a sucessão de equívocos vai ganhando força no contexto tragicômico instaurado. É a metáfora da relação de poder do homem com/sobre o homem, nas mais variadas formas, o verdadeiro tema de Passport.  
          A aparente diferença dos códigos usados entre os personagens vai servir de impulso para o uso da força, da intolerância e do poder. Importante notar que o cidadão é estranho, muito estranho, pois seu mundo inclui, entre outras coisas, a leitura de livros.  Mas é preciso dizer que não há maniqueísmos emPassport. O que temos são usurpações e mutilações em escala gradativa. O soldado e seu chefe agem menos por maldade, por ter o outro como inimigo que pelo próprio medo, pelo medo da ação e da não-ação, da inutilidade de suas vidas e porque também são coagidos psíquica e fisicamente. A ironia e o humor negro vão tomando conta do público e encontram o riso na medida certa: a medida do desespero.
         A direção de Samuel Kühn é competente, firme, inteligente e os atores estão seguros e inteiros em seus papeis. Passport é um espetáculo consequente porque apresenta um grupo de artistas entregues à sua arte. O ator Robson Benta, o mais experiente do grupo, baliza as excelentes atuações dos jovens Vinicius da Cunha e Rodrigo Vargas. Robson Benta nos oferece momentos de domínio completo da arte de atuar, sobretudo nos dois pequenos monólogos em que domina e arrebata a platéia com atuação irrepreensível.  As ações transitam entre ironia delicada e a mordacidade. A iluminação e a trilha sonora complementam o campo semântico do trabalho e do ambiente. Trabalhos discretos que contribuem muito para a composição de uma dramaturgia perfeita, sem falhas no que tange sua proposta circular.
            Há duas dramaturgias em evidência: a da tensão/agressão psicológica e da agressão/tensão física. É neste momento que Passport precisa encontrar seu equilíbrio para aparar pequenas arestas existentes. A opção pela rua, pelo espaço aberto e detentor de várias fronteiras é acertada e simbolicamente perfeita às questões proposta por Gustavo Ott, contudo, neste caso, algumas das cenas que exigem o combate físico estão sem o impacto necessário. É preciso reafirmar que Ott está nos dizendo: a fronteira somos nós. A ranhura está na nossa linguagem e na ação de nossa linguagem. E o grupo entende e afirma isso em cena, mas ainda há cenas a serem trabalhada. Algo natural, pois estamos diante de um espetáculo que acaba de estrear e que terá, seguramente, uma vida longa na cena teatral catarinense.   
         Passport pode nos levar a pensar as ditaduras (tema histórico tão caro para a América Latina), pode nos levar a pensar o Oriente Médio e seus conflitos, a Europa e seus líderes famigerados, a África e todas as suas incomunicabilidades, mas é na ação mínima do homem que o texto e o espetáculo atuam. Joinville ganha mais que um bom espetáculo, mais que um trabalho estético coerente e rico. Ganha um diretor de teatro capaz de pensar todos os aspectos da cena: o ator, a iluminação, trilha sonora,  a construção da partitura cênica e transformar todos os elementos em um quadro coeso.
         Talvez, como contraponto, valha alertar alguns aspectos a serem pensados: a reestruturação do espetáculo para um espaço mais intimista, trabalhar as cenas que exigem contato físico, explorar um pouco mais a dramaturgia do silêncio e reavaliar a repetição da cena inicial no fim do espetáculo. Ah! E aos espectadores incrédulos que acharem inverossímil o que ocorre ali na Praça da Bandeira, um aviso: olhem para as fissuras das paredes de suas casas e vejam seus próprios Passports. E absurdo é quem chama o teatro do absurdo de absurdo! Passport é um espetáculo que emociona por sua poesia e sensibilidade e alegra por percebermos que foi pensado, elaborado e executado como elogio à arte e à liberdade.  É ali, entre o monumento feito por Fritz Alt, as igrejas evangélicas, sob a bandeira do Brasil hasteada e o terminal urbano que o carimbo será dando em sua pele/passaporte. A passagem já está paga, não percam! 
DE sexta a segunda : NA praça da bandeira : EM joinville-centro :  às 20h : gratuito:

Nenhum comentário:

Postar um comentário